terça-feira, 16 de abril de 2013

A revolução do grafeno


Partindo de experiências com grafite, o grafeno (derivado do carbono, identificado nos anos 1930) substituirá o silício e possibilitará um salto tecnológico sem precedentes. No Brasil, a universidade Mackenzie dá os primeiros passos para desenvolver o material



Pense em acordar e, ao escovar os dentes, ter diante dos olhos, integrada ao espelho do armário, uma interface tecnológica que permitirá acompanhar as notícias do dia, deixar recados ou organizar outras tarefas de casa. Imagine carregar no bolso da calça ou do paletó o próprio computador ou um projetor de 50 polegadas dobrado ou enrolado. E que tal ter um celular que pode ser utilizado como uma pulseira ou dormir na total escuridão em um quarto com janelas cuja transparência pode ser controlada por dispositivos integrados ao vidro, sem o auxílio de cortinas ou persianas? E o melhor, todas essas transformações acrescidas de outras vantagens: a utilização de uma matéria-prima cuja resistência é 200 vezes superior à do aço e, não bastasse, quase transparente, impermeável e extremamente flexível. Pois tudo isso, e muito mais, fará parte da rotina de consumidores globais na próxima década, graças ao grafeno, material de dimensões nanométricas (a milionésima parte de um milímetro), que substituirá o silício e, como seu antecessor, propiciará avanços científicos e tecnológicos sem precedentes, no que está sendo chamado (em alusão ao material que tornou célebre o Vale do Silício, o parque tecnológico da Califórnia, nos Estados Unidos)  “Segunda Revolução Tecnológica”.

Identificado por cientistas na década de 1930, o grafeno é derivado do carbono e sempre teve fins de baixa tecnologia, como a utilização em lubrificantes e para a produção de grafite. Em 2004, estudando possíveis saídas para o esgotamento da Lei de Moore (criada, em 1965, pelo cientista Gordon E. Moore, um dos fundadores da Intel, previu que, a cada dois anos, a capacidade de armazenamento e velocidade dos hardwares dobraria) Andre Geim e Konstantin Novoselov, dois físicos russos que atuam na Universidade de Manchester, na Inglaterra, iniciaram experiências que radicalizariam as possibilidades de aplicação do grafeno. Isolando partículas cada vez menores do material, até chegar a dimensões imperceptíveis a olho nu, os físicos chegaram a um material, bidimensional, como uma folha de papel, composto por átomos de carbono densamente alinhados em uma rede cristalina com formato hexagonal e um átomo de espessura, com alta condutividade térmica e elétrica.

Reprodução de transistor com dimensões nanométricas (a milionésima parte de um milímetro), feito com grafeno. Material substituirá o silício em diversas aplicações tecnológicas

Desde então, os físicos se empenharam para conseguir uma façanha divisora: desenvolver um transistor, feito à base de grafeno, de dimensões nanométricas, que possibilitasse uma aplicação tecnológica capaz de substituir, com uma infinidade de vantagens, o silício – grande responsável pelas pequenas revoluções que vimos surgir de 2000 para cá: os televisores cada vez mais finos, os computadores e smartphones com capacidade de processamento e armazenamento de dados muito superiores aos da década de 1990, a ampliação da banda larga de internet, entre outras. Mas se esses avanços já foram capazes de surpreender milhões de pessoas ao redor do mundo e instaurar novos hábitos de consumo, o que veremos pela frente, com exceção dos carros voadores, faz lembrar o futuro imaginado pelos Jetsons, o desenho da Hannah Barbera que instigou gerações de crianças nos anos 1970 e 80, quando essas tecnologias ainda engatinhavam.
Além das possibilidades tecnológicas, o grafeno também será fundamental para o futuro dos processos industriais e fornecerá novos insumos para automóveis, aeronaves, satélites, células solares e até coletes à prova de bala. No campo da biomedicina e da indústria farmacêutica, o grafeno possibilitará controlar o crescimento de células-tronco, combater tumores, criar remédios com nanorrobôs que serão liberados na corrente sanguínea, além de construir músculos artificiais. Em 2010, em justo reconhecimento da comunidade científica, os dois pesquisadores russos foram agraciados com o Prêmio Nobel de Física.
Grafeno made in Brazil
O maior centro de pesquisas mundiais do grafeno é a Universidade Nacional de Cingapura, que criou uma divisão especialmente dedicada à pesquisa do material, o Graphene Center, conduzido por um brasileiro que é Ph.D. em física, Antonio H. Castro Neto. E a possibilidade do Brasil começar a desenvolver grafeno, ainda nessa década, é bastante factível. A Universidade Presbiteriana Mackenzie está dando os primeiros passos para tornar essa ex­pectativa uma realidade. Em entrevista à Inovação!Brasileiros, o professor Eunézio Antonio de Souza, doutor em Física pela Unicamp (Universidade de Campinas) antecipou a boa nova: “Estamos formando uma equipe experimental para tornar o grafeno um produto também feito no Brasil em um prazo médio de cinco anos. Até lá, espero que a variação seja no quanto estaremos acima dessa meta. O centro terá três frentes: para aplicações em química, engenharia de materiais e fotônica”.

Smartphone conceito da Philips, feito com grafeno, que pode ser utilizado como pulseira
Souza, ou Thoroh, como é chamado por todos na Mackenzie (nome artístico adotado pelo próprio professor que, dado curioso, também é cantor de ópera), é uma autoridade quando o assunto é fotônica, a tecnologia utilizada para a construção de fibras óticas. Thoroh é também especialista em física de lasers, amplificadores ópticos, moduladores de poços quânticos e retina artificial. Estará à frente de um visionário projeto idealizado pelo reitor, doutor Benedito Guimarães Aguiar Neto, que deverá ser desenvolvido pela universidade a partir de 2013. “A pesquisa sobre o grafeno é uma das áreas estratégicas prospectadas por nós, tanto por permitir que aproveitemos todo o potencial existente na universidade quanto pelos benefícios que pode trazer à sociedade e pela contribuição à competitividade do País”, afirma o reitor.
Thoroh fala com entusiasmo sobre o grafeno: “É um elemento milagroso, com características superlativas e específicas, excelente condutividade elétrica, cerca de mil vezes mais rápida que a do silício. Além disso, ele é quase transparente, muito resistente e ao mesmo tempo maleável. Como ele é bidimensional, como uma folha de papel, vai propiciar uma revolução na área que chamamos de eletrônica flexível. Essas aplicações já estão sendo utilizadas por grandes empresas, como IBM, Intel, 3M e Samsung”.


Tradicional na formação de mão de obra para as diversas frentes da engenharia no País, a universidade Mackenzie foi responsável por um avanço recente produzindo uma solução de ponta que já chegou aos lares de milhões de brasileiros, como esclarece Leila Figueiredo de Miranda, doutora em Tecnologia Nuclear pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares – IPEN, da Universidade de São Paulo, e diretora da Escola de Engenharia da Universidade Mackenzie: “Temos um núcleo de pesquisas em TV digital onde foi desenvolvido – em parceria com outras universidades, mas com um grupo de pesquisadores majoritariamente nossos – o modelo para o sistema brasileiro de transmissão digital, que também foi adotado em toda a América Latina”.
Thoroh, que recentemente foi à China participar de um congresso sobre grafeno, dá outras pistas sobre as intenções da universidade, que em 2013, revelará para a comunidade acadêmica o planejamento para a implantação do novo centro de pesquisa. “Buscaremos, em um primeiro momento, explorar as propriedades óticas do grafeno, pois a fotônica é nossa grande especialidade. Vamos nos servir da nanotecnologia para tornar a comunicação ótica mais rápida e fazer uma internet muito mais veloz do que a que temos hoje. Faremos pesquisas para criar dispositivos que serão incorporados a sistemas utilizados nas redes de comunicação que governam o mundo. Poderemos construir lasers baseados em grafeno e já até fizemos isso em nosso laboratório. Investiremos o que for necessário, porque há uma grande projeção de mercado para o Brasil. No País, existem vários grupos trabalhando com nanotecnologia, mas a maioria deles são grupos teóricos. Nosso diferencial é que somos um grupo experimental aplicado. Fazemos tudo com um viés aplicável e temos a potencialidade de formar muitos alunos que vão gerar novos produtos e riquezas para o País. Essas são algumas de nossas metas.”
O desafio de colocar o Brasil no mapa tecnológico internacional também instiga a professora Leila. Para ela, a inserção do País no mercado mundial do grafeno será um marco para as relações comerciais externas e o novo centro de pesquisas da universidade Mackenzie terá um papel fundamental: “O Brasil tem que deixar de ser somente um exportador de commodities. O País não vai crescer plenamente se não desenvolver suas próprias tecnologias. Essas inovações passam pelas diversas áreas da engenharia onde temos tradição consolidada além de uma forte interação com outros centros de pesquisa, como o IPEN, a USP, a Universidade de São Carlos, a Unicamp e a Universidade Federal da Paraíba. Nos últimos 15 anos, fizemos grandes investimentos em pesquisas. Conseguimos patentear soluções utilizadas por empresas como a Magneti Marelli e a Renault e nossos alunos têm grande empregabilidade no mercado. Ontem, foi anunciado o prêmio Nokia-Siemens dedicado a mulheres que atuam na área de tecnologia e, pelo segundo ano consecutivo, uma aluna da universidade foi a vencedora”, comemora ela.
Prever o futuro pode até ser um exercício de subjetividade, mas é fato: ele será escrito com o mesmo grafeno, encontrado em lápis e lapiseiras, que desde crianças nos ajuda escrever a nossa própria história.



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